EFEITOS ESPECIAIS: APRECIE COM MODERAÇÃO

"Aviso logo de cara. Não tenho nada contra os Transformers. Muito pelo contrário, quando era criança pequena aqui na leal, boa e abençoada terra de Bangu eu adorava a coisa. Não perdia um só desenho animado, colecionava figurinhas como um louco, tinha todos aqueles robozinhos maneiros que viravam carros. Porém, apesar da nostalgia, é um tantinho desagradável perceber o nababesco oba-oba que já vêm fazendo em cima do filme de Michael Bay (aliás, a fita já está sendo vendida pela imprensa como... putz.... o filme com os melhores efeitos especiais já vistos). Imagino quando o filme entrar em cartaz...
Michael Bay junto com seu chapa Roland Emmerich e o produtor Jerry Bruckheimer representam tudo que há de mais nocivo e desagradável no cinemão atual, são a santíssima trindade dos filmecos ruins. Filmes descerebrados e barulhentos (Independence Day, Armageddon e Godzilla), recheados de atuações grotescas (O Patriota, Os Bad Boys), roteiros entre rocambolescos e mixurucas (A Ilha, Pearl Harbor) e ênfase total, full time, nos ditos efeitos especiais (todos os filmes anteriores e mais um monte). Essas são as produções desses senhores. Carézimas e campeãs de bilheteria, filmes feitos pra encher os cofres hollywoodianos. Tudo bem... os caras só estão ganhando o dinheirinho deles... cinema é indústria mesmo... normal. O problema todo é que essa lucrativa estética de exageros totais começou a ser copiada, começou a parir filhotes alucinadamente. Graças à bem sucedida fórmula desses diretores é que vieram todas as trilogias que infestaram as telonas nos últimos anos como uma praga de gafanhotos ocos: Homem-Aranha, X-Men, Piratas do Caribe e por aí vai... nada contra... Jesus todo poderoso... tem gente que gosta... Realmente não tenho nada contra efeitos especiais, às vezes eles são inevitáveis, necessários. OSenhor dos Anéis por exemplo é uma grande história(baseada em uma obra literária respeitada) e que só foi possível sair do papel decentemente graças aos efeitos especiais. Dá pra imaginar aquilo tudo feito com bonecos xexelentos? Marionetes de espuma? Maquetes de papelão? Não, não dá. O problema não são os filmes com efeitos especiais, o problema são os filmes só com efeitos especiais.
A situação é crítica. Cada dia que passa, a cada lançamento, o cinema se desumaniza. Deixa de ser uma invenção humana, deixa de ser carpintaria, de ser ourivesaria, deixa de ser obra de arte. Não é mais a comidinha caseira da mamãe, vira hambúrguer em série do McDonald's, aquele treco horroroso com gosto de isopor. A parte mais humana do cinema está indo pras cucuias a passos largos. Daqui a pouco não precisaremos de roteiristas, de bons atores ou diretores que consigam transmitir emoções, sentimentos, substância ao respeitável público. Daqui a pouquinho um fundo azul e um programa de computador, um HAL 9000 da vida (mais detalhes, favor assistir 2001: Uma Odisséia no Espaço), vão resolver tudo. Solução da questão? A mais simples, o caminho do meio. Vamos usar a tecnologia sim, mas não no lugar do material humano, não no lugar dos atores, dos roteiristas, dos diretores. O negócio é apreciar a pinga digital com moderação.
Quando penso em grandes diretores de cara me lembro de David Lean. O homem era sobre-humano. Fez alguns dos maiores filmes de toda a história do cinema (A Ponte do Rio Kwai, Lawrence da Arábia, Dr. Jivago, Passagem Para a Índia...), filmes desproporcionais, grandiosos em todos os sentidos, coisa, amiguinhos, que não fazem mais hoje em dia. Grandes histórias, astros de primeira, milhares de extras, locações em desertos, em florestas, no meio da neve... filmagens que às vezes duravam anos! E David Lean lá, comandando tudo, um general no meio de uma guerra. Me pergunto onde foram parar esses super-diretores.
Até os filmes de ação - gênero geralmente menos cotado pelos entendidos - já tiveram seus grandes realizadores que, bom dizer, não se apoiavam na bengala dos efeitos especiais. Um deles foi John McTiernan, sujeito que praticamente inventou o cinema moderno de ação. O norte-americano encaçapou três bolas certeiras uma atrás da outra O Predador, Duro de Matar e Caçada ao Outubro Vermelho. O diretor se queimaria feio com o pavoroso O Último Grande Herói, mas ainda teria sua redenção com Duro de Matar - A Vingança. Filmes de ação... humanos! Carne e Osso! Bem humorados! Outra coisa! John McClane foi o herói mais patético e espancado da história do cinema (até da mulher levou balão). Dá pra se identificar com um cara desses! Outro mestre na arte de entreter e fazer adrenalina correr solta foi Richard Donner. Hoje praticamente aposentado, Donner foi o cara por trás de Superman - O Filme, O Feitiço de Áquila, Os Goonies, os quatro Máquina Mortífera, o bacana Maverick e... tá bom... vá lá... Assassinos (que se salva pela atuação transloucada de Antônio Bandeiras). Uma seleção de filmes com heróis problemáticos. Martin Riggs (Mel Gibson) da série Máquina Mortífera, por exemplo, é um policial que perdeu a mulher e está sempre à beira do suicídio. Doido pra meter uma bala nos meliantes e outra nele mesmo. Em O Feitiço de Áquila Rutger Hauer é um cavaleiro queganha ninguém menos que a entidade Michelle Pfeiffer, mas o que adianta se um feitiço impede os dois de se encontrarem? (de dia a bela se transforma num falcão e ele, de noite, num lobo). Heróis? Sim, mas também sujeitos eternamente fucked, perdedores. Pois é, antigamente os filmes de ação eram machos, tinham culhões, mas também tinham coração. Os heróis ganhavam no braço, mas sofriam horrores. Bem diferente dos de hoje, que nem de verdade são, heróis-descanso-de-tela."
Por Rodrigo Fernandes
na Coluna Diários Cinéfilos do AdoroCinema